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PELE ALVA, PELE ALVO

“Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia”! Parafraseando ‘Titãs’, discorro sobre segurança pública trazendo o paradoxo que esse serviço público, DEVER DO ESTADO E DIREITO DE TODOS, encerra na sua essência.

Paulo Ribeiro | Data: 20/04/2025 09:28

Polícia para quem precisa! Mas quem precisa de Polícia? Exatamente aqueles marginalizados pelo Estado e que, via de regra, são tratados como marginais. De longe, não se pode confundir ou nivelar MARGINAL e MARGINALIZADO, pois uma coisa é viver à margem da lei e outra bem diferente é ser empurrado para fora da sociedade em razão de diversos fatores sejam eles sociais, econômicos e principalmente raciais.

E o paradoxo, onde está? Está no fato de que quem mais precisa da polícia é quem mais sofre a força do braço armado do Estado. Por essa razão, vemos, a cada dia, o sistema de segurança pública brasileiro sendo implacável e intolerante com aqueles que não têm voz nem capacidade de resistência social e que, com o passar do tempo, são empurrados para as periferias e confinados em verdadeiros guetos sob a maquiagem de condomínios ou casas populares longe do trabalho, dos centros comerciais, das escolas e distantes de serviços públicos básicos como saneamento ou transporte público de qualidade.

Mais de 80% das solicitações para as forças de segurança são de natureza social. Isso acontece porque a polícia é o único braço do Estado que está ao alcance desse cidadão marginalizado 24 horas por dia e essa é a razão de acionarem tanto a força policial para questões sociais e não policiais. Um fato grave e pouco percebido é que esse acionamento impróprio se dá porque o Estado, além de omisso, é ausente e sobrecarrega inadequadamente um trabalho essencial. Estado ausente permite que outra força ocupe os espaços longínquos para onde essa legião de desvalidos foi empurrada e a conseqüência é o domínio do espaço pelo poder paralelo. Um poder que tem o poder de reagir abrindo fogo contra o Estado quando esse Estado tenta retomar o espaço que jamais deveria ter abandonado. O desfecho é o confronto com a perda de vidas de ambos os lados como vimos recentemente na região metropolitana da capital.

A segurança pública é um caso perdido nas três esferas de poder pelas seguintes razões: Governo Federal omisso, medroso e ignorante beirando a estupidez e com alto grau de senilidade ao não instituir o Ministério da Segurança Pública que permitiria um combate nacional e integrado ao crime organizado; Governo Estadual inepto por optar pela pior estratégia que é o enfrentamento pelo confronto e o resultado estamos vendo como infrutíferos e com o aumento de violência contra pessoas e aumento da corrupção ou cooptação de agentes pelo crime organizado e no Município de Taubaté é tragédia anunciada pela escolha de fórmulas erradas de administrações passadas que reproduzirão os mesmos erros da insegurança pública que campeia nossa cidade.

Erros crassos conduzem a política de segurança no país em todas as esferas e instituições que, por pura preguiça mental recheada de dose letal de racismo estrutural e institucional, define que quanto mais escura é a pele, maior grau de suspeição desse indivíduo. Uma teoria tão estapafúrdia que assombraria até Cesare Lombroso, um fdp higienista e eugenista que assegurava que determinadas características físicas predispunham o indívíduo à delinqüência.

E essa aberração de procedimento não se limita apenas à questão social ou racial, mas geográfica também. Há muitos acéfalos na segurança pública que defendem tratamentos diversos conforme o local da abordagem das pessoas em atitude suspeita e que essa abordagem na periferia ou na quebrada não pode ser igual a abordagem em um bairro nobre. 

Como autômatos, esses trabalhadores da segurança pública repetem as práticas essenciais do higienismo social e da eugenia de Nina Rodrigues e de Barata Ribeiro. Estabelecer tipos humanos ou definir a deliquência pela geografia é um ato insano que beira a estupidez e reflete a incapacidade pensante do agente público que retoma a figura do indivíduo suspeito, abandonando o conceito de atitude suspeita. Reforçando assim a existência de cidadãos de primeira e segunda categorias.

As periferias gritam silenciosamente pela existência, enquanto se organizam em núcleos de resistência sob a forma de movimentos culturais que são duramente criminalizados pelo poder público, como no passado foram a capoeira e as religiões de matriz africana. E aqui vai um desfio para o leitor que não concorda com meus apontamentos. Façamos de conta que você é um policial de serviço e por volta de 2h da madrugada há duas solicitações de perturbação de sossego na cidade: uma balada no Jardim das Nações e um baile funk no Jardim Mourisco. Você só poderá atender uma delas. Para qual você dará prioridade com sua tropa?

Por fim, se você não faz parte da legião de marginalizados e discorda dos meus escritos, significa que você aceitaria ser abordado pela polícia da mesma forma que um jovem negro é abordado altas horas da noite em qualquer lugar da cidade.

Precisamos urgentemente rever o sistema de segurança pública brasileiro, tanto na questão estrutural quanto na questão doutrinária para que mapas mentais do Século XIX não continuem sendo reproduzidos. Caso contrário, teremos que complementar a música dos Titãs acrescentando que, em muitos casos, “polícia é que precisa de polícia”.

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