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MST, o conflito rural que virou urbano

Formado por mais de 400 mil famílias, o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina

Paulo Ribeiro | Data: 14/01/2025 18:52

Sexta-feira, 10 de janeiro de 2025, dormi cedo extenuado por um longo dia de trabalho. Ao acordar às 05h, vi uma mensagem de áudio de um número desconhecido enviada 23:57 que dizia; “oi, Paulo, boa noite. Tudo bem? Paulo, desculpa mandar mensagem a essa hora. Eu sou xxx aqui do Assentamento xxx. Eu preciso ligar pra você, falar com você urgente. É sobre o Valdirzão, o Chê”. Retornei o contato e já fiquei ciente da tragédia criminosa no Assentamento Olga Benário.

O assassinato de líderes do Movimento, por um tempo obrigou o MST a escamotear os líderes como única forma de protegê-los de assassinos covardes e pagos que se imortalizaram na figura dos algozes de DOROTHY STANG e CHICO MENDES, figuras famosas, que em nada superam as centenas ou milhares de trabalhadores rurais que tiveram suas vidas ceifadas por pistoleiros ao longo das quatro décadas do MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, ou simplesmente MST, que começa a quinta década com um massacre na pequena e pacata Tremembé, tendo como uma das vítimas Valdirzão, o “Chê”.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, nos últimos 10 anos, são mais de 400 assassinatos em conflitos no campo, trazendo-nos o potencial lesivo de uma iminente guerra no campo haja vista que no governo anterior foi sancionada a Lei nº 13870/19 que autoriza os CACs a portarem arma em toda a extensão da propriedade rural e não apenas no interior da residência como determinado pela 10.826/03 que autorizava “o proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência...”

Como o jeitinho brasileiro dá jeito em tudo, a Lei 13870/19, em artigo único diz textualmente “Art 1º. O artigo 5º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5º... § 5ºAos residentes em área rural, para os fins disposto no caput deste artigo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel rural.” Eis o gatilho para o morticínio no campo, pois pior que armar-se é a sensação de poder armar-se. Quem pode, no campo, ter várias armas que custam mais R$ 30 mil? Por qual motivo alguém no campo quer se armar com armas tão letais? Milícias Rurais a caminho? Faz tempo que chegaram e os milhares de conflito no campo têm mostrado isso, vide ataques aos povos originários sob a quietude das forças de segurança. 

Afinal, quem é esse tal de MST?

A propriedade privada e o direito natural à propriedade na História recente têm sido discutidas filosoficamente e legalmente. Rousseau assegura que as desigualdades sociais surgiram a partir do momento em que o homem ergueu a primeira cerca. Legalmente, isso se traduz no Brasil em 1850 com a Lei de Terras que determinava que as terras devolutas só poderiam ser adquiridas pela compra. Escravizados, alforriados, população de baixa renda e imigrantes jamais teriam condições de aquisição de imóveis rurais e se viram todos , obrigados a trabalhar nas grandes fazendas, abandonando as terras que ocupavam e produziam, mas não tinham como RESISTIR. 

Para isso serviu a Lei de Terras: OFICIALIZAR A OPÇÃO DO BRASIL PELO LATIFÚNDIO. 

O Século XX trouxe as Ligas Camponesas, também conhecidas como Ligas Camponesas de Francisco Julião, que lutavam contra as péssimas condições de vida no campo e pela reforma agrária. Porém, pelo seu viés ideológico e temático, com o golpe militar de 1964, as Ligas foram caçadas(isso mesmo) e seus líderes assassinados ou presos.

O tempo passou... Vinte anos depois, no 1º Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, surge o MST tendo como objetivos lutar pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais no país. Porém, toda luta inglória costuma pagar um preço muito alto. 

Desconhecer a essência e a prática do Movimento leva a essa enxurrada de opiniões contrárias à sua existência, inclusive louvando o assassinato covarde de assentados e corrompendo a obra magistral de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina: “Não é cova grande, é cova medida. É a terra que querias ver dividida... É a parte que te cabe deste latifúndio”. Para Lamarca, perdemos o direito de morrer até que nossa morte sirva de exemplo para nossa luta. Ideias não morrem e sementes sepultadas se multiplicam. Mataram Valdir, logo ele que tinha como uma das principais contribuições coletar sementes nativas para reflorestar a mata atlântica, mas não sabiam que ele era a maior semente e os covardes ajudaram a disseminar.

Formado por mais de 400 mil famílias, o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina e foi um dos maiores doadores de alimentos durante a pandemia de covid. Na tragédia climática do Rio Grande do Sul, a participação foi fundamental, sobretudo nas cozinhas solidárias fornecendo gratuitamente alimentos às vítimas, em que pese vários assentamentos terem sido atingidos pelas águas.

Ao contrário do que se pensa, o MST não invade terras. Há um processo de ocupação de terras que tem como objetivo forçar cumprir a Constituição Federal que exige o cumprimento da função social da terra. Por isso, somente as terras improdutivas são ocupadas e reivindicadas. Apesar de tantas famílias assentadas, ainda temos 70 mil famílias acampadas, à espera de assentamento em um processo moroso levado a cabo pelo INCRA, o mesmo INCRA que tem por missão fiscalizar a destinação desses lotes e por algum motivo não está cumprindo. Fato que também precisa ser investigado. É preciso fiscalizar a situação dos assentamentos Manoel Neto e Luis Carlos Prestes em Taubaté e principalmente o Assentamento Conquista em Tremembé para sabermos até que ponto agentes públicos estão envolvidos por ação ou omissão. A tragédia anunciada no Assentamento Olga Benário não foi a primeira nem será a última. 

FICA O ALERTA!

Por fim, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento legítimo composto por pessoas que realmente trabalham e produzem. Por isso tenho memória afetiva pelo slogan do MST de 1988 a 1995 OCUPAR-RESISTIR-PRODUZIR.

Esta é a síntese de um movimento genuinamente revolucionário e único no cenário político brasileiro. Pois se tratando de ações revolucionárias, partidos como PT, PSOL, PC do B e PSB não passam de notas de rodapé do MST.

Sobre isso, não há o que se discutir.

MST, A LUTA É PRA VALER!!!


Paulo Ribeiro

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