A guerra psicológica e o isolamento do Brasil: o novo capítulo na queda de braço com as big techs
A fusão do governo norte-americano com as big techs pelo viés militar
Causou preocupação a reportagem publicada nesta segunda-feira, dia 24, pelo jornal Folha de S. Paulo, acerca do isolamento internacional do Brasil na ofensiva de regulação das big techs após a União Europeia emitir sinais de recuo nas investidas regulatórias por temer possíveis retaliações dos EUA.
"O governo Trump está preocupado com relatos de que alguns governos estrangeiros estão considerando apertar o cerco às empresas de tecnologia dos EUA. Os Estados Unidos não podem e não vão aceitar isso", declarou recentemente o vice-presidente do EUA, JD Vance.
Desde então, líderes europeus já sinalizaram com a possibilidade de afrouxar o controle, adotando como discurso oficial a justificativa de que o afrouxamento possibilitará investimentos em inteligência artificial.
De acordo com a Folha de S.Paulo, houve a suspensão da Diretiva de Regime de Responsabilidade de Inteligência Artificial e a paralisação da declaração conjunta com o Brasil na conclusão da reunião do Diálogo Digital Brasil-UE, realizada em Bruxelas.
No Brasil, os projetos de lei que tentam regulamentar as big techs e a inteligência artificial foram propostos considerando as experiências de países da União Europeia, que foi pioneira na regulação de internet com as Leis de Serviços Digitais e de Mercados Digitais.
Para entender os impactos do novo contexto político para o Brasil e o mundo, contudo, devemos entender a situação como um iceberg: a parte visível representa a menor fração da imensa pedra de gelo solta no oceano.
O tabuleiro da geopolítica mundial ganhou tração e intensidade com o retorno de Donald Trump à Presidente dos EUA; não por menos, pois se trata da principal potência do mundo que tem como desafio capital tentar frear a ascensão da China, com destaque para a imagem da solenidade de posse de Donaldo Trump no dia 20/01/2025 ao lado dos líderes das maiores empresas de tecnologia: X, Meta, Google, etc.
A (incomum) cena escancarou a relação das big techs com o governo americano. E, com muita razão e assertividade, analistas políticos destacaram que a união dos interesses retratados na posse pode enfraquecer as democracias pelo mundo uma vez que as empresas obtêm lucro a partir da audiência gerada pela desinformação e pela radicalização política.
Entretanto, como a política funciona como um iceberg, que deixa aparecer somente o menor pedaço da pedra de gelo, os mencionados riscos para a democracia retratam apenas uma parte da história. Para ser completa, a análise precisa considerar o profundo, o escondidoo, que é a fusão do governo com as big techs pelo viés militar.
A história militar é repleta de exemplos acerca da colaboração de empresas privadas e cientistas no desenvolvimento de tecnologias empregadas no campo de batalha. O esquema funciona como uma espécie de coação. Quem não colabora espontaneamente com o staff militar, deve ser banido ou eliminado. Como não lembrar do caso do cientista Frank Olson, retratado na série Wormwood, que se jogou da janela do décimo andar de um hotel em Nova York em 1954 no momento em que passava por conflitos internos e questionamentos éticos sobre sua colaboração para o desenvolvimento de armas químicas durante a Guerra Fria.
Se a colaboração é espontânea ou não, certo é que os produtos desenvolvidos pelas big techs são uteis e necessárias para o conflito militar do século XXI, essencialmente psicológico.
A guerra psicológica pode ser definida como a obtenção de vantagens militares sem a utilização da força militar, mediante o manejo da palavra falada e escrita. Nesse contexto, informação é matéria-prima e quem domina a produção e a disseminação de informação vence a batalha. Por outro lado, a guerra psicológica pode ser mais brutal do que a guerra convencional, porque o objetivo não é mais eliminar o inimigo, mas sim controlá-lo e manipulá-lo, ou seja, colocar o inimigo em uma realidade paralela.
Estamos inseridos em um estado permanente de guerra, porém, silenciosa, quase imperceptível.
A dependência por internet e o vício por redes sociais são apenas dois fragmentos do conflito militar contemporâneo, que se caracteriza justamente pela dificuldade para distinguir objetivamente os fatos e os eventos, fazendo com que os civis (os cidadãos do país alvo da ofensiva militar) sejam inseridos no campo de batalha, inclusive como agente ativo do ataque informacional, ou seja, fazendo que eles promovam ações de natureza militar sem notar o seu papel no conflito, cujo fenômeno é chamado de “guerra por procuração”.
Não à toa que o conflito contemporâneo, a guerra psicológica, como campanha informacional, está estruturada em redes, que são as formas de organização dos elementos de um sistema (rede multicanal, estrela ou cadeia).
Trata-se da estrutura (em rede) que permite mais fluidez na troca de dados e compartilhamento de recursos de guerra entre si, aqui entendidos não como munição para fuzil, mas sim como informação. A guerra centrada em rede é, sobretudo, o tipo de conflito militar focado na administração de percepções das pessoas.
Muito oportuno, por fim, rememorar a lição do sociólogo francês Pierre Lévy de que as pessoas não estão mais nas redes, elas simplesmente são as redes.
Marcos Vinicius Limão de Melo Freitas é jornalista e advogado, com especializações em Marketing Político (Universidade de Taubaté) e Direito Eleitoral (IDDE). Tem experiência com jornalismo investigativo, advocacia, campanha eleitoral e assessoria parlamentar. É autor de dois livros, dentre eles o “ENXAME: guerra psicológica no processo eleitoral e os novos paradigmas para campanhas políticas”.