Indígenas pedem retratação após falas sobre território; Frediani responde que não pedirá desculpas
Sessão da Câmara de Ubatuba tem manifestação de povos indígenas e resposta do vereador Rogério Frediani
Representantes de comunidades indígenas de Ubatuba participaram da sessão ordinária da Câmara Municipal nesta terça-feira, 8 de abril, para cobrar respeito e retratação pública por parte de parlamentares que, em fevereiro, fizeram declarações sobre a presença e os direitos dos povos originários no município.
Kerexu, liderança da Aldeia Boa Vista, usou a tribuna para responder às falas do vereador Rogério Frediani (PL), que, em fevereiro, afirmou que os indígenas estariam “tomando posse” de áreas em Ubatuba e que, em breve, “entrariam também nas praias”. A indígena explicou que os Guarani historicamente ocupavam o litoral e foram afastados pela colonização, mas continuam lutando pelo direito ao território. “Nós não estamos atrás de praia. Só queremos o nosso modo de vida e conforto. A Constituição garante esse direito”, disse. Em seguida, dirigiu-se diretamente a Frediani: “Gostaria muito, senhor vereador Frediani, do seu pedido de desculpas aos povos originários e tradicionais de Ubatuba, pela forma como o senhor se expressou”.
Kerexu também afirmou que a fala dos parlamentares ignora o papel das comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras na preservação do meio ambiente. “Esse discurso que estão querendo colocar sobre nós não é nosso. Nosso modo de vida é a terra, é o bem viver. Estamos cansados de ouvir esse tipo de violência em relação aos povos originários, tradicionais, quilombolas, caiçaras. Isso nos adoece”.
Outro a se manifestar foi Ubatuba Mirim, representante da Aldeia Renascer, localizada na região do Corcovado. Ele também cobrou um pedido de desculpas pelos discursos feitos em plenário. “Alguns vereadores citaram nosso território e até nos chamaram de sequestradores. Jamais sequestramos alguém. Quem sequestra são vocês – os nossos territórios, nossos parentes, dizimados a cada dia”, disse. Ubatuba Mirim criticou o que chamou de perseguição política e desinformação, e afirmou que os povos indígenas da região lutam por políticas públicas mínimas para sobreviver e preservar sua cultura.
A presença dos indígenas na sessão foi uma resposta às falas da 3ª Sessão Ordinária da Câmara, ocorrida em 18 de fevereiro, quando vereadores comentaram sobre a demarcação de terras e o acesso ao Pico do Corcovado. Na ocasião, Frediani disse que os guias turísticos estavam sendo impedidos de trabalhar e sugeriu que os indígenas poderiam avançar para áreas de praia, afirmando que “é lei federal: onde tem índio, eles têm direito. Temos que pensar no quanto Ubatuba perde com isso”. Ele também colocou em dúvida a origem da Aldeia Boa Vista, dizendo que teria sido fruto de uma “briga de duas pessoas” para “colocar os índios lá”.
Outros parlamentares também se manifestaram naquele dia. A vereadora Jaqueline Dutra afirmou que quase foi sequestrada ao subir o Pico do Corcovado, mesmo sendo monitora credenciada. Já o vereador Pastor Sandro declarou que o “povo caiçara está sendo expulso da própria terra”.
Durante a sessão desta terça-feira, o documento entregue pelas lideranças indígenas foi recebido pela presidente da Câmara, Gady Gonzalez, que informou que o caso será encaminhado ao setor jurídico da Casa.
Em resposta às falas feitas na tribuna, o vereador Rogério Frediani negou ter utilizado o termo “sequestro” e afirmou que sua fala foi distorcida. “No começo da sessão foi citado meu nome, né? Mas eu vejo que só foi o meu nome. Eu fui lá dentro dar uma olhadinha no que foi falado, porque não lembrava bem de cabeça. Mas ninguém falou a palavra 'sequestro'”, disse. Segundo Frediani, outros vereadores também comentaram sobre o tema, mas apenas ele está sendo cobrado. “Acho que teve mais dois ou três vereadores que comentaram a situação do Corcovado. E agora ficam alimentando esse tipo de assunto, que não leva a nada. Eu não falei nenhuma mentira. E os outros três vereadores também não falaram nenhuma mentira”.
O vereador afirmou que o caso ganhou dimensão por ele estar filiado ao PL (Partido Liberal). “Já percebi que é por causa que eu sou do PL. Eu fui pro PL a pedido do então prefeito Colucci. Quando fui, nem existia Bolsonaro no partido. Estão batendo em mim só por causa disso. E tem mais três vereadores que falaram muito mais”, declarou. Frediani disse que nunca esteve na trilha do Corcovado, mas ouviu relatos de moradores sobre impedimentos de acesso. “Eu nunca subi o Corcovado. Mas sei que tem reclamação de cidadãos que não conseguem mais subir, porque são impedidos. E eu só comentei isso. Não falei mal, não falei nenhuma mentira. Não vou pedir desculpas. Acho que devem desculpas a mim, por citarem só o meu nome”.
Segundo o parlamentar, a situação está sendo usada com fins políticos: “Vim aqui, o índio quase tocou o negócio na minha cara e eu fiquei quieto. O problema é o PL. O problema é eleitoral. Não vou pedir desculpa. Me devem desculpas, porque tem mais gente aí que devia ser mencionada. Não fui só eu que falei”.