Governo Tarcísio vende fazenda científica em Pindamonhangaba por metade do valor de mercado para empresa ligada a Paulo Skaf
Negócio envolveu terras públicas usadas em pesquisas agropecuárias e foi feito com pouca transparência, segundo pesquisadores; governo confirma intenção de vender outras áreas científicas
O governo de São Paulo, sob gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), vendeu parte de uma fazenda pública usada para pesquisas científicas agropecuárias, localizada em Pindamonhangaba, por um valor abaixo do mercado. O comprador é a empresa SFA Agro Empreendimentos e Participações, que tem entre seus sócios o empresário e ex-presidente da Fiesp, Paulo Skaf – filiado ao mesmo partido do governador desde 2022. As informações são do portal The Intercept.
A operação, finalizada em julho de 2024, envolveu 350 hectares da Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento de Pindamonhangaba, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento desde 1938 e pertencente à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). A área integra uma fazenda de 1.150 hectares que está em zona de proteção ambiental e é usada para pesquisas de bovinocultura, aquacultura, melhoramento genético de arroz, agroecologia, e plantas medicinais e alimentícias.
O valor da venda foi de R$ 17,1 milhões. No entanto, segundo levantamento da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), o hectare na região vale entre R$ 100 mil e R$ 130 mil, o que faria a área ser avaliada entre R\$ 35 milhões e R$ 45,5 milhões. Ou seja, a venda ocorreu por até metade do preço estimado. Ainda segundo a associação, os documentos que embasaram a avaliação do imóvel e o laudo de vistoria não foram tornados públicos.
A venda foi autorizada com base em uma lei estadual de 2016, aprovada ainda na gestão de Geraldo Alckmin (então no PSDB), que permitiu a alienação de diversos imóveis estaduais. O processo teve início em 2017, mas enfrentou resistência jurídica da APqC e de entidades da comunidade científica, que apontavam que a área era de interesse público e ambientalmente sensível, por abrigar nascentes de água. As ações foram indeferidas e encerradas em 2022, abrindo caminho para a concretização da venda dois anos depois.
A APqC acusa o governo Tarcísio de descumprir a Constituição Estadual e a Lei 9.475/96 ao não realizar audiência pública com a comunidade científica antes da alienação da área, como exige a legislação. Uma audiência realizada em 2017 foi considerada irregular pela entidade, devido à baixa divulgação e falta de quórum.
A empresa compradora, SFA Agro, foi registrada em 2022 e tem como sócios, além de Skaf, seu filho Gabriel Skaf, o empresário e ex-vice-presidente da Fiesp Carlos Eduardo Auricchio, e o médico e pecuarista Rubens Freire Gonçalves. Também integram a sociedade quatro empresas ligadas aos proprietários, com atividades em pecuária, conservação florestal e incorporação imobiliária.
A venda só veio a público após denúncias da APqC e de servidores da unidade de pesquisa, que viram os novos proprietários fazendo uma visita à propriedade montados a cavalo. A entrada do grupo, sem aviso prévio e por um acesso lateral, causou estranhamento e suspeita de invasão. O caso motivou um pedido da deputada estadual Beth Sahão (PT) para que a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado investigue a operação.
Em nota enviada após a publicação da reportagem pelo Intercept Brasil, a assessoria de Paulo Skaf confirmou a aquisição e afirmou que a oferta feita pela SFA Agro foi a mais alta no processo conduzido pelo Fundo de Investimentos Imobiliários do Estado de São Paulo, e que o pagamento foi feito à vista. A empresa reforçou que a fazenda será usada para fins lucrativos e que cabe ao fundo do estado explicar as regras do negócio.
A APTA e a Comevap – cooperativa de laticínios parceira do centro de pesquisa, que atende mais de 600 pequenos produtores da região – ainda mantêm atividades nas áreas remanescentes. No entanto, equipamentos e estruturas de pesquisa, como uma balança recentemente adquirida com recursos de projetos científicos, ficaram retidos na parte vendida. Segundo a presidente da APqC, Helena Dutra Lutgens, os empresários compraram apenas a terra, não os bens públicos instalados nela.
A operação gerou reações no meio acadêmico e político, sobretudo diante da sinalização do governo de Tarcísio de que outras áreas de pesquisa também poderão ser colocadas à venda. “Estamos preocupados com o desmonte de instituições de pesquisa centrais para a agricultura paulista”, afirmou Lutgens.
Até o momento, o governo do Estado e o Fundo de Investimentos Imobiliários de São Paulo não divulgaram as avaliações técnicas que fundamentaram a venda. Já o Tribunal de Justiça de São Paulo validou a operação, mesmo com os questionamentos da APqC.