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Fazer Arte: Profissão ou Acidente Cósmico?

Nosso cinema vem aprendendo, se reinventando, e a verdade é que somos bons

Dimas Oliveira Junior | Data: 04/03/2025 10:20

Passada a festa, superada a ressaca da premiação e aquela já esperada – mas ainda assim difícil de engolir – decepção com a estatueta de Melhor Atriz (Mikey Madison? Sério?), chegou a hora da conversa de verdade.

O Brasil levou o Oscar com AINDA ESTOU AQUI, e isso é um feito gigante. Mas e agora? O que fazemos com isso? Temos uma porta aberta, e a história já mostrou que, quando queremos, sabemos entrar e fazer bonito. O problema é que, vez ou outra, a gente fecha a porta na própria cara.

Nosso cinema vem aprendendo, se reinventando, e a verdade é que somos bons. Sempre fomos. Mas talvez o maior erro tenha sido lá atrás, quando botaram abaixo os estúdios Vera Cruz e Atlântida e deixamos de praticar cinema pra virar plateia do gringo. Depois, voltamos do zero, de câmera na mão e uma ideia na cabeça. Romântico? Sim. Sustentável? Nem tanto.

Fazer Arte é profissão, trabalho, grana, estrutura. E não adianta torcer o nariz: é mercado também. Arte não vive só de inspiração e “missão da alma”, precisa de técnica, suor, estudo, equipamento, equipe. Precisa pagar as contas.

Lei Rouanet: Entenda Antes de Criticar

Aí, no meio do barulho, aparecem aqueles que nem viram o filme, mas já têm opinião formada: “Usaram dinheiro público pra fazer essa porcaria comunista!” Ah, pronto.

Vamos lá: a Lei Rouanet NÃO dá dinheiro para fazer filmes. Nunca deu. Nunca dará. O que ela faz é permitir que empresas invistam parte dos seus impostos em cultura. Ou seja, dinheiro privado aplicado em projetos que passaram por um rigoroso processo de aprovação. Não é cheque em branco.

E mais: AINDA ESTOU AQUI não foi financiado com Lei Rouanet. Então, antes de sair espalhando fake news, dá uma pesquisada. A ignorância é mais cara do que um filme de Hollywood.


E pra quem acha que o problema é o tema – “Ai, mais um filme sobre ditadura?” –, sinto muito, mas ditadura não é opinião, é fato histórico. Aconteceu. Está nos livros, nos documentos, nos relatos de quem viveu. Não dá pra apagar, não dá pra fingir que não existiu. Um país que não encara seu passado está condenado a repetir os mesmos erros.

E sobre Fernanda Torres…

O que ela faz em AINDA ESTOU AQUI não é talento jogado ao vento, é ofício. Atuação de precisão cirúrgica. O olhar, o silêncio, o gesto contido que diz tudo sem precisar de fala. Quem vê acha que é natural. Não é. É estudo, técnica, repetição, domínio. Ela constrói uma personagem que está prestes a explodir, mas a bomba estoura dentro do espectador.

Aí vem o Oscar e premia uma novata. Ok, gosto é gosto. Mas se um filme leva tantos prêmios mundo afora, tem alguma coisa aí. Pode não ser do seu gosto, mas não dá pra negar: é uma obra de arte.

O Cansaço de Ser Brasileiro

Agora, de verdade: cansa. Cansa muito. Esse ranço que muitos brasileiros têm contra o próprio sucesso… Dá um desânimo.

Fazer sucesso lá fora parece crime hediondo. Parem com isso! Carmen Miranda conquistou o mundo, foi recebida na Casa Branca, virou a mulher mais bem paga dos EUA, e o que aconteceu aqui? Foi apedrejada pelos “patriotas”. Diziam que era caricata, exagerada, "vendida". Pois é! Sucesso incomoda, não é?

Raul Roulien foi o primeiro brasileiro a fazer sucesso em Hollywood nos anos 30, contracenou com Janet Gaynor, Shirley Temple, conquistou seu espaço. Voltou ao Brasil com uma ideia revolucionária: modernizar o cinema nacional, dar qualidade, estrutura. O que aconteceu? Botaram fogo no estúdio dele no Rio de Janeiro. Isso mesmo. Fogo.

A gente diz que ama cultura, mas só até ela incomodar. Só até alguém daqui começar a brilhar demais. Vamos e venhamos: dói menos reconhecer o sucesso do outro.

A Arte e o Acidente Cósmico

Aqui entra a maior confusão: fazer cinema, música, literatura não significa, automaticamente, fazer arte. Arte acontece. Às vezes, por acidente. Às vezes, por milagre.

Tem filme com o melhor diretor, o melhor elenco, o melhor roteiro, a melhor trilha e… nada. Quer um exemplo? Noites Brancas, baseado em Dostoiévski, dirigido pelo mestre Luchino Visconti, estrelado por Mastroianni, trilha de Nino Rota, fotografia de Giuseppe Rotunno… e um resultado morno. Porque arte não se garante no papel.

No final das contas, é um jogo de talento, preparo e sorte. Mas uma coisa é certa: quando o milagre acontece, tem que saber aproveitar. O Oscar foi uma chance rara. Agora é agir.

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